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Crítica | Um Lugar Silencioso

Crítica | Um Lugar Silencioso

Um Lugar Silencioso, de John Krasinski, traz conteúdo de terror que sai da mesmice

Aviso: Crítica com spoilers!


Um Lugar Silencioso chega aos cinemas como uma novidade aos filmes de terror. O filme, dirigido pelo brilhante John Krasinski, foge do óbvio e traz uma trama coesa, criativa e cheia de simbolismos significativos, algo em falta nesse gênero de filme.

A história se passa em uma fazenda dos Estados Unidos e é sobre uma família que luta para sobreviver em uma realidade apocalíptica: o país está sendo atacado por uma entidade que não enxerga, mas, por conta disso, tem sua audição aguçada e ataca de acordo com o som captado; ou seja, as pessoas devem permanecer em silêncio absoluto, caso contrário, são assassinadas brutalmente por esta figura misteriosa.

A família em questão é composta por Evelyn Abbott (interpretada por Emily Blunt, que dá um show de atuação e rouba quase todas as cenas para ela), seu marido Lee Abbott (John Krasinski – sim, o diretor do filme e marido da atriz fora das telas também) e seus três filhos: Beau (Cade Woodward), Marcus (Noah Jupe) e Regan (Millicent Simmonds), personagem com deficiência auditiva – o que acaba sendo um dos principais pontos do enredo. O filme não nos conta como os eventos apocalípticos ocorreram, apenas como essa família específica lida com isso há mais de um ano.

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Um Lugar Silencioso é introduzido de forma espetacular, mostrando desde cedo a potência que o filme tem de se destacar dos demais filmes de terror atuais. Em primeiro lugar, vemos uma cidade fantasmagórica, completamente abandonada – o que nos dá a noção de que a família enfrenta um problema que está acontecendo no país inteiro (senão no mundo) e que não está preso a um grupo específico de pessoas. Isso torna o filme mais interessante e convidativo, uma vez que o problema parece ser mais concreto e difícil de ser resolvido.

Em segundo lugar, temos a família Abbott andando descalços e misteriosos em um mercado abandonado dos Estados Unidos; A mãe busca suprimentos e um remédio específico para o filho. Tudo o que sabemos até então é que não se pode fazer barulho algum, caso contrário, algo horrível pode acontecer. Nesse sentido, a falta de trilha sonora e de um diálogo no começo do filme intensifica esse problema de forma muito bem-feita: o espectador acaba sentindo a tensão e a curiosidade de saber o que aconteceria caso alguém fizesse barulho.

A forma como o espectador descobre o que de fato acontece é um dos primeiros pontos admiráveis de Um Lugar Silencioso. Ainda no mercado, o filho mais novo, Beau, insiste em ficar com um avião de brinquedo. Os pais tiram as pilhas do avião e proíbem o menino de levar consigo o objeto, alarmando que pode fazer muito barulho, portanto, é perigoso. Mesmo assim, Beau acaba levando o avião com as pilhas – o que serve para criar a expectativa de que algo ruim está prestes a acontecer.

De fato: Beau acaba ligando o brinquedo no caminho de volta para casa e o barulho prende a atenção de todos nós – personagens e espectadores. A ação do menininho, finalmente, atrai a entidade. O monstro fantasmagórico, em questão de segundos, mata o menino. Foi uma morte óbvia, porém extremamente eficaz em introduzir o inimigo. Assim, o trágico evento logo no começo nos comove e nos dá um pouco mais de noção de como a situação é perigosa, além de garantir que o filme não terá problemas em poupar os protagonistas só porque eles são os principais. Esta técnica como introdução do filme não é novidade: ela aparece, por exemplo, em It: A Coisa, onde a aparência e a intenção do vilão são reveladas após ele tragicamente capturar uma criança inocente.

Após o ocorrido, Um Lugar Silencioso nos dá a chance de nos conectarmos com a família e conhecermos um pouco mais de seu novo cotidiano. Usando uma trilha sonora sutil, ambientes mais claros e cenas delicadas, o filme revela uma família que faz de tudo para ter uma vida normal: a protagonista está grávida de seu quarto filho; eles fazem orações na hora de comer, dançam, jogam jogos de tabuleiro e estudam. Mas, ao mesmo tempo, só ouvem música com fone de ouvido, estão sempre descalços, não usam pratos, talheres, máquina de lavar ou qualquer outra coisa que possa fazer barulho. Durante todo o filme os diálogos são quase sempre feitos em Língua de Sinais – algo que a família já dominava, já que a filha era surda.

Apesar dos momentos sutis e de poucas cenas assustadoras no começo, a ação não demora a acontecer em Um Lugar Silencioso. Após a primeira grande cena de ação, uma cadeia de outras cenas toma lugar no filme, trazendo um espetáculo de tensão e horror muito bem construído. A ação do filme é um show de elementos bem amarrados: a trilha sonora, as luzes, a atmosfera de puro terror e, é claro, os momentos silenciosos que deixam qualquer pessoa aflita.

O fato da Evelyn estar prestes a dar luz ao seu bebê leva o espectador a achar que o ápice do filme está no nascimento da criança (uma vez que, teoricamente, o barulho seria incontrolável), quando, na verdade, o ápice é uma mistura de vários acontecimentos que vão se materializando quase ao mesmo tempo e que se desenrolam até o final do filme sem que a atenção do espectador se disperse. Ou seja, depois do “ápice”, cada nova cena atinge o mesmo nível de qualidade de ação, horror e tensão da cena anterior, levando o espectador a sofrer uma agonia constante.

A genialidade de Um Lugar Silencioso, no entanto, está em seu ponto central: o som. O filme faz um bom uso do som (ou da ausência dele) em todos os âmbitos possíveis, tornando-o uma espécie de protagonista. O fato de precisar fazer silêncio o tempo inteiro já traz um diferencial muito criativo para o filme: quando se trata de terror, nós estamos acostumados com todo tipo de barulho, como gritos e coisas caindo e quebrando constantemente. Assim, um filme como Um Lugar Silencioso quebra com nossas expectativas e faz com que o barulho em si seja algo muito mais significativo. Quando tem algum som – seja através de palavras, gritos ou da própria trilha sonora – ele vem de forma muito mais intensa, perceptível e poderosa.

O som é uma das ferramentas mais importantes do audiovisual e é algo que as pessoas não costumam reparar devidamente. Um Lugar Silencioso faz com que o som seja o foco do filme – algo que, além de trazer uma trama mais assustadora, nos faz refletir um pouco mais sobre o papel da trilha sonora em um filme. A obra de John Krasinski, no entanto, consegue ir mais além: usando técnicas e simbolismos maravilhosos, Um Lugar Silencioso também aponta e discute a importância da nossa própria percepção de som. Um dos pontos principais do enredo é o fato de Regan ser surda – e o filme tem uma maneira muito inteligente de mesclar os dois tipos de silêncio: aquele que não se pode fazer barulho e aquele que de fato não se escuta absolutamente nada. Em alguns momentos específicos com foco na menina, o filme fica completamente sem som, fazendo com que o espectador sinta por um instante o que as pessoas surdas sentem a vida toda. E é desesperador.

Além disso, Um Lugar Silencioso foi brilhante em trazer o assunto da surdez como um obstáculo a ser superado. O fato da filha ser surda foi o que trouxe facilidade para que a família se comunicasse em silêncio; além disso, Regan sofreu uma transformação importante no decorrer da história: no começo vemos o transtorno da menina por não conseguir ter sua audição restaurada – apesar dos esforços contínuos do pai para construir um implante cocloear eficaz – e, no final, sua maior fraqueza se tornou sua força. Regan descobre que seu implante, quando impulsionado, faz com que a entidade sofra em agonia e fique mais vulnerável, tornando assim mais fácil de ser derrotada.

Em um simbolismo muito bonito, o filme celebra as diferenças e nos mostra que uma pessoa com um tipo de deficiência é tão capaz de ser uma heroína quanto qualquer outra pessoa “normal”. Um Lugar Silencioso também usa situações extremas para mostrar o amor inigualável dos pais e até onde eles iriam por seus filhos. Evelyn, por exemplo, escolheu ter seu bebê apesar das graves consequências que a criança poderia trazer. Lee, por outro lado, sacrificou-se em uma cena extremamente comovente para que seus filhos ficassem seguros. E tudo isso acontece com o auxílio da parte auditiva e visual: além de usar o som como uma ferramenta primária, o filme também faz um jogo de luzes maravilhoso, seja com luz “natural” ou com as luzes das lâmpadas que estão o tempo todo brincando com seus significados. As luzes amarelas que enfeitam a fazenda mostram que o lugar está seguro – mas quando o perigo chega, Evelyn muda a cor da luz para vermelho, o que dá um ar estético impressionante para o filme. Outro exemplo desse jogo de iluminação é na cena final – as luzes se apagam quando o espectador é direcionado a acreditar que não existe mais esperança, mas nos últimos segundos, quando a situação é revertida, as luzes se acendem, dando um sentimento de alívio por saber que tudo pode ficar bem.

Portanto, o que destaca Um Lugar Silencioso dos outros filmes de terror é a sua tentativa eficaz de emendar cenas de terror bem construídas, simbolismos comoventes e um enredo muito bem-sucedido em sair da mesmice. Independente da sua opinião sobre o filme, não dá para negar que Um Lugar Silencioso é o tipo de filme de terror que tem feito falta nos últimos anos.

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