Quando os irmãos franceses Guillemot lançaram a Ubisoft nos anos 80, era impossível prever a influência que teriam na indústria dos jogos. Nativos de Carentoir, na França, os cinco irmãos criaram a desenvolvedora e publicadora de jogos mais importante do país. Entre as franquias consagradas está Rayman, a primeira que, de fato, marcou época entre os jogadores. Prince of Persia é mais antigo, mas não teve desenvolvimento inicial pela empresa, como ocorre hoje, com a Ubisoft sendo proprietária da franquia.
Ao longo das décadas, inúmeras franquias foram publicadas, desenvolvidas ou adquiridas pela gigante francesa, acumulando um portfólio de títulos que marcaram gerações e continuam populares até hoje, enquanto outros estão extintos ou parados no limbo. Parcerias estratégicas que a empresa estabeleceu ao longo de sua trajetória com marcas renomadas como Lucasfilm Games, Nintendo e Sega, foram fundamentais, seja no desenvolvimento ou na publicação de jogos.
A primeira grande baixa da empresa aconteceu entre junho de 2002 e julho de 2003. Nesse período, a Ubisoft funcionava como uma verdadeira fábrica de lançamentos, publicando de um a três jogos por semana. Com essa alta demanda, nem todos os títulos tinham a qualidade desejada, algo mais tolerável na época, dado o consumo mais seletivo dos usuários. Isso contrasta com o mercado atual, onde o consumismo desenfreado dita as regras.
Em 2008, uma nova queda ocorreu, gerando instabilidade que durou quase quatro anos, com recuperação apenas no final de 2011. Em 2007, o lançamento de Assassin’s Creed trouxe um novo fôlego para a empresa, apresentando a icônica luta entre assassinos e templários, protagonizada por Altaïr Ibn-La’Ahad. A inovação na jogabilidade e nas mecânicas trouxe uma abordagem inédita, mas, mesmo assim, apenas um grande título em um período extenso não foi suficiente para manter a Ubisoft no auge.
Vale lembrar que 2008 também trouxe uma série de lançamentos icônicos para a indústria, como Grand Theft Auto IV, Fallout, Super Smash Bros. Brawl, Call of Duty: World at War, Dead Space, LittleBigPlanet, Gears of War e Mario Kart Wii. A competição era intensa, e até o lançamento da continuação de Far Cry pela Ubisoft enfrentava desafios nesse cenário.
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Nos anos 2010, parecia que nada poderia deter a gigante. Suas ações atingiram picos de 102 euros, e os irmãos Guillemot estavam no auge, com lançamentos sucessivos de Far Cry, Assassin’s Creed, Rayman, Ghost Recon, Rainbow Six Siege, Mario + Rabbids, Just Dance, The Crew, Brawlhalla e muitos outros. Pareciam imparáveis, com tantas propriedades intelectuais gerando lucros. Isso sem contar os jogos que incluíam modos multiplayer e compras in-game, que se tornaram uma grande fonte de receita. A introdução das lootboxes foi um divisor de águas, mesmo antes dos processos que questionariam sua legitimidade. Além disso, a Ubisoft explorou o mercado de dispositivos móveis, levando suas franquias para essa plataforma através da Gameloft, que mais tarde seria adquirida pela Vivendi.
Assim, a empresa ampliava seu alcance, e nada parecia capaz de interromper seu crescimento em um meio onde a comunidade de jogadores se tornava cada vez mais ativa e exigente.
A pandemia como divisor de águas
Em 2019, uma série de escolhas controversas começou a afetar as ações da Ubisoft, que sofreram uma pequena queda. Contudo, com o início da pandemia em 2020, as ações voltaram a subir temporariamente, alimentadas pela expectativa em torno de jogos como Watch Dogs: Legion e Assassin’s Creed Valhalla, que, apesar das surpresas trazidas por mudanças bruscas de gênero com Odyssey, mantinham altas expectativas. Nesse período, a influência do movimento #MeToo começou a ser refletida na empresa, que promovia uma postura mais firme contra o assédio às mulheres. Isso foi louvável, mas, ao mesmo tempo, parecia que a Ubisoft não soube encontrar o equilíbrio certo, criando um descompasso entre discurso e prática.
Ainda assim, os irmãos Guillemot não se preocupavam tanto com esses problemas, já que os lucros para os acionistas continuavam estáveis.
O “novo normal” trouxe desafios inesperados. Apostando em uma audiência moderna, que passava mais tempo em casa, a Ubisoft acreditava estar moldando o futuro. No entanto, o oposto aconteceu: jogos foram cancelados ou adiados, como no caso de The Division, enquanto outros títulos, como Immortals Fenyx Rising, que tinham grande potencial e boas críticas, acabaram negligenciados e não tiveram o destaque merecido. Isso se repetiu com outros lançamentos no período pandêmico e pós-pandêmico, como Riders Republic, Rainbow Six Extraction, Roller Champions e The Settlers: New Allies, que, devido a falhas estratégicas ou problemas de desenvolvimento, contribuíram para a queda das ações da gigante francesa.
Mesmo o lançamento de Assassin’s Creed Mirage em 2023, que considero um movimento acertado, sofreu vendas abaixo do esperado. O descrédito dos consumidores em relação à Ubisoft pesou, assim como no caso de Prince of Persia: The Lost Crown. Entretanto, a maior decepção foi, sem dúvida, Skull and Bones. O jogo, que prometia ser uma imersão semelhante a Black Flag com uma abordagem de piratas em terceira pessoa, similar a Sea of Thieves, acabou sendo uma das maiores decepções da indústria. A promessa não correspondeu à realidade, e os fãs, inicialmente entusiasmados, logo perderam o interesse pela franquia.
Bem, quando comecei a escrever este artigo, as ações da empresa haviam caído para menos de 11 euros. A última vez que isso ocorreu foi há uma década, em janeiro de 2014, evidenciando o impacto negativo de decisões estratégicas erradas e jogos mal recebidos pelo público.
O que levou a essa nova queda brusca da Ubisoft?
No final de agosto de 2024, a Ubisoft lançou Star Wars Outlaws, seu primeiro jogo de mundo aberto da franquia Star Wars, desenvolvido pela Massive Entertainment, mesma responsável por The Division. O jogo, que introduziu a personagem Kay Vess, uma ladra em busca de melhorar sua reputação perante o sindicato do crime, parecia promissor. A comparação com Han Solo na versão feminina era inevitável. No entanto, problemas técnicos e o descrédito em torno da Ubisoft fizeram com que o jogo se tornasse um dos títulos de menor venda da franquia Star Wars com status de blockbuster. Esse fiasco acendeu um alerta entre os investidores, que começaram a pressionar Yves Guillemot e sua família por resultados imediatos.
Desesperada, a empresa decidiu adiar Assassin’s Creed Shadows, jogo que vem enfrentando boicotes globais por conta de polêmicas em torno da utilização de autorizações e personagens controversos, além de mudanças no período histórico. O adiamento levou o lançamento para 14 de fevereiro de 2025, isso se não houver mais atrasos. A preocupação foi tanta que até uma apresentação da Ubisoft Japan na Tokyo Game Show 2024 foi cancelada. Isso evidencia o alto nível de cautela com o lançamento, ambientado no Japão feudal sob a liderança de Oda Nobunaga.
Desdobramentos e futuro da Ubisoft
Ainda é cedo para afirmar se a Ubisoft conseguirá retomar seus dias de glória. O mercado de games está em constante evolução, e os estúdios orientais estão ditando novas tendências, influenciando o mercado ocidental. Cabe agora à família Guillemot traçar novas estratégias para evitar perdas mais alarmantes ou, no pior dos cenários, a venda de seus estúdios para outras empresas.
Apesar das dificuldades, a vasta experiência dos Guillemot em negócios pode ser um fator decisivo para uma virada de chave. Uma única decisão estratégica pode mudar o rumo da empresa, reconquistando os fãs e trazendo de volta os dias de sucesso para as inúmeras franquias que a Ubisoft ainda detém.