Quando Simon Stalenhag começou seu legado trazendo The Electric State para a literatura e, posteriormente, fechando o acordo dos direitos da obra com Anthony e Joe Russo, acredito que ele esperava algo grandioso. Imaginava que essa nova jornada, onde humanos enfrentam um dilema sobre o que poderá ser o futuro do mundo com inteligência artificial entre nós, se tornasse um épico. Uma obra que os irmãos Russo conseguiriam transformar em uma nova epopeia para as telas, como foi a saga dos Vingadores na Marvel.
A Netflix resolveu apostar, considerando o conjunto da obra de seus cineastas envolvidos com trabalhos no streaming como Resgate e 2. Escalou também sua queridinha Millie Bobby Brown, que fez o streaming ficar tão popular com a série Stranger Things. Ao seu lado, Chris Pratt, sinônimo de audiência mesmo no streaming, foi escolhido para o papel principal. A trama gira em torno de Michelle, que busca seu irmão, separado dela durante um grave acidente de trânsito que vitimou seus pais. Não há muito segredo: o garoto era um prodígio, mas um robô intitulado Cosmo (voz de Alan Tudyk), do qual era fã, encontra sua irmã, alegando ser a mente do menino.
Com o desejo de reconectar seu passado, ela resolve se aventurar em uma jornada, visando encontrar pistas sobre o paradeiro do caçula. Evidentemente, não será uma caminhada fácil, e nesse caminho ela conhece John D. Keats (Chris Pratt), um ex-militar considerado desertor, que possui um robô como amigo. Diga-se de passagem, os robôs estavam banidos e enviados para uma área de exclusão após a guerra que aconteceu no início dos anos 90. Qualquer humano que tivesse contato pessoal ou vínculo com eles poderia pagar multas ou até ser preso. Confesso que o robozinho Herm, interpretado na voz de Anthony Mackie, é uma válvula de escape; não chega a ser um alívio cômico, mas entrelaça o vínculo de amizade.
Para quem leu a versão original do livro, pode perceber uma diferença incrível no pano de fundo. O próprio fator retrofuturista difere das ilustrações, que exibem uma visão mais sombria em relação à do longa-metragem. Talvez a ideia fosse adaptar essa produção com uma classificação indicativa mais baixa, em vez de mirar o público adulto.
Afinal, o filme foi diretamente para o streaming, sem passar pelos cinemas, com um gasto milionário acima de 320 milhões, sem contar a publicidade global. Até no Brasil, a Netflix promoveu uma ação misturando carnaval, trazendo Millie Bobby Brown e os diretores do longa-metragem. Claro, ficamos de fora do evento, pois a assessoria do filme informou que a capacidade de pessoas havia esgotado. É tipo o Vampeta: eles fingem que nos enganam, e nós fingimos que acreditamos. Lavando essa roupa suja em plena crítica, retomamos nosso raciocínio sobre a produção.
Sobre algumas ilustrações, estarei deixando um link direto do site do autor sueco para suas comparações. Observando toda a trama e seus efeitos especiais, o filme é satisfatório e bonito, mas faltou um ambiente mais amedrontador. O aspecto apressado, sem trabalhar o carisma dos personagens, foi um problema. Ao mesmo tempo em que Michelle possuía um grande vazio e estava desesperada, de uma hora para outra ela já expressava desejo e confiança em si mesma —; o que gera confusão nos espectadores que esperavam uma construção mais sólida da personagem.
Um ponto positivo, apesar de não ser inédito e já explorado em Jogador Nº 1, de Steven Spielberg, é o quanto o filme exibe o desejo humano por escapismo. Mesmo com o mundo em condições de reconstrução, todos vivem suas vidas de fantasia. É aí que entra a Sentre e seu CEO, Ethan Skate, interpretado por Stanley Tucci, que vê uma oportunidade de acabar com a guerra utilizando a tecnologia de drones.
Segundo sua obsessão, ele não é contra robôs, mas não permite que sejam autônomos, devendo estar sempre sob controle humano. Assim, compreendemos melhor o vínculo com Christopher “Chris” Greene (Woody Norman), irmão de Michelle, considerado um novo Einstein. O desenrolar traz a ideia já conhecida de que tudo é feito para o bem, mas acaba criando consequências desastrosas.
O coronel Bradbury, com a alcunha de “O Açougueiro de Schenectady”, interpretado pelo brilhante Giancarlo Esposito, é outro destaque. Porém, parece que, desde que sua popularidade se tornou global, não conseguem mais colocá-lo em papéis verdadeiramente épicos. Assim como em Star Wars: The Mandalorian, Capitão América: Admirável Mundo Novo e agora em The Electric State, sua capacidade de vilão não vem sendo bem explorada, como nas séries Breaking Bad e Better Call Saul. Isso resulta em um desperdício de talento, já que rendição não é bem o feitio dos personagens que ele interpreta.
Nesse meio-tempo, pouco falei de Chris Pratt, pois ele é praticamente um personagem secundário, mesmo quando os momentos de maior impacto são dele. Na cena final, é possível compreender sua ligação com Herm e sentir toda a comoção entre os dois, gerando um verdadeiro elo. Por sinal, o robô é inspirado nas bonecas russas Matryoshka: há a boneca maior e, ao abri-la, encontram-se versões menores; é mais ou menos isso que ocorre.
O ator Ke Huy Quan, nosso eterno Dado de Goonies e vencedor do Oscar de Melhor Ator Coadjuvante por Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo, tem um papel curto, mas crucial. Como Doutor Amherst, ele é a ligação entre os protagonistas e os vilões, acrescentando dinamismo às cenas de ação.
Efeito Matrix?
Percebe-se que os irmãos Russo conseguiram tanto destaque em Hollywood que, só pelo elenco do filme, já reúnem atores experientes. Woody Harrelson, por exemplo, interpreta o Senhor Amendoim, uma espécie de revolucionário que levou os robôs a buscarem autonomia. No fundo, ele só queria igualdade e liberdade, pautas bastante atuais, sendo quase certo que diversos diálogos receberam modificações. Uma das coisas que me incomodaram é a extensa utilização do Deus ex machina, com acontecimentos previsíveis e sem explicação plausível. Sabe o efeito dos Vingadores já mencionado?
Ele ainda não saiu dos irmãos Russo, o mesmo problema que ocorreu com os irmãos Wachowski após a trilogia Matrix, quando adotaram os nomes Lana e Lilly Wachowski. Elas não conseguiram emplacar mais nenhum projeto com a mesma repercussão que a trilogia Matrix.
Ambientação musical com nostalgia
A trilha sonora original, composta por Alan Silvestri — uma parceria de longa data com os Russo —, entrega um clima apocalíptico, reforçando a tensão e os momentos mais emotivos. No entanto, o filme também faz uso de músicas licenciadas, como “Good Vibrations” de Marky Mark and the Funky Bunch (Mark Wahlberg), “Wonderwall” do Oasis, e outras, que ajudam a ambientar a história e dão um tom nostálgico/moderno conforme necessário. Curiosamente, essas faixas não estão presentes no álbum oficial da trilha sonora, o que pode desapontar quem esperava encontrá-las em uma coletânea.
Tenho que encerrar comentando sobre a atuação de Millie Bobby Brown. Ela já não é mais aquela menininha de Stranger Things, onde ficou globalmente famosa com a personagem Eleven. Em The Electric State, seu papel é pouco explorado; não há nada que exija uma grande atuação, seja nos diálogos ou nos momentos de aventura e ação. Nos momentos que são exigidos, parece que os escritores adicionaram palavras que fizeram a personagem entrar em contradições. Tentaram elevar o impacto das palavras, mas, ao mesmo tempo, você se pergunta se aquela ação fazia sentido. Essa não é uma das melhores atuações dela; até em Enola Holmes ela está melhor que aqui.
Se estiver interessado em saber se recomendo assistir The Electric State, a resposta é sim. É verdade, quando você chega em casa, não tem mais nada para fazer e quer passar o tempo. O longa-metragem da Netflix, que possui um elenco conhecido de Hollywood com os irmãos Russo na direção, é uma escolha. Não é um filme perfeito ou épico, mas há muito para explorar. Na minha visão, era possível ter criado uma série ou contar sobre a revolta dos robôs com um prelúdio que seria mais interessante.
Gamerdito (Veredito) de The Electric State
Embora trouxesse visuais bem trabalhados, alguns robôs foram deixados de lado, o que faria mais sentido, em vez de focar apenas em ambientações fechadas. Entendemos que desenvolver um filme nessa escala tem um custo maior, mas, do jeito que foi, acabou jogando dinheiro fora. Como o querido Chris Pratt está no elenco e é um chamariz de audiência, ao menos na primeira semana deverá ser o filme mais assistido em março na plataforma.
Por fim, finalizo essa crítica com uma nota 2,5/5 devido a algumas pontas soltas, com uma trilha sonora que aprovo, contudo, deixando o ambiente mais clean e amenizando o efeito sombrio. Isso acabou removendo toda a essência da obra original e sua originalidade dos visuais, que fariam total sentido para a trama. Caso esteja curioso em assistir, o longa-metragem está disponível exclusivamente na plataforma de streaming para os assinantes da Netflix.
Lembrando que um jogo intitulado The Electric State: Kid Cosmo ficará disponível para todos os assinantes que possuem um smartphone com sistema operacional Android na Google Play ou iPhone/iPad na Apple Store. Você poderá conhecer um pouco mais dos personagens ao se aprofundar através do game.